terça-feira, 20 de abril de 2010

A construção do nacionalismo em São Tomé e Príncipe

O presente trabalho tem por objetivo compreender as questões nacional e colonial em São Tomé, mais precisamente, entender a falta de um sentimento nacional anterior à independência. Para tanto, foi basicamente utilizada a bibliografia final.

Num primeiro momento será apresentada pequena história do arquipélago, a fim de que seja possível identificar revoltas contra o colonialismo e aspectos que poderiam ter desenvolvido uma nacionalidade são-tomense. A história de São Tomé e Príncipe, assim como a história de todos os países africanos, é marcada pelos maus tratos dirigidos aos negros e mestiços.



Num segundo momento, aspectos dessa história serão analisados. Não serão trabalhadas as relações entre grupos políticos, no caso o MLSTP (Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe) - e a questão nacional.


O arquipélago de São Tomé e Príncipe é formado por ilhas vulcânicas e de grande vegetação. Foi provavelmente descoberto por João de Santarém e Pedro Escobar, os quais descobriram Tomé em 1460 e Príncipe em 1461. Há dúvidas relativas à habitação de São Tomé e Príncipe antes da descoberta, alguns estudiosos dizem que o arquipélago era habitado por “angolares”. Tais figuras, que apresentavam uma atividade simples de agricultura e pesca, serão posteriormente utilizadas para a construção da idéia nacional. Sua imagem está ligada ao ataque de engenhos.

A Ilha de Bom Bom, no Arquipélago de
São Tomé e Príncipe


Vários grupos humanos uniram-se para formar a população do arquipélago: europeus (em sua maior parte degredados), filhos de judeus e escravos originários da costa africana; São Tomé foi importantíssimo entreposto comercial.



Vista atual da Roça Água Izê
No período que vai de 1470 a 1485, o arquipélago era administrado pelo sistema das capitanias hereditárias. A principal cultura era a de cana-de-açucar, introduzida em 1501, tendo seu término no ano de 1822; posteriormente, foram introduzidas as culturas de cacau e fumo e o comércio de pimenta e madeira. Indubitavelmente, a ação colonizadora européia rapidamente ocupa as terras realizando um sistema de latifúndio e monocultura; em São Tomé, os grandes sítios eram conhecidos como “roças”.

Para o trabalho foi utilizada, em enormes quantidades, a mão de obra escrava, a qual se rebelou diversas vezes contra os desmandos do sistema colonial.

Basicamente, a sociedade sãotomense é constituída por grandes proprietários e administradores, pequenos proprietários nativos, trabalhadores rurais e, com o fim da escravidão, serviçais contratados, a enorme maioria.

Residência do Administrador da Roça Água Izê
com seus funcionários em dia de pagamento
à frente


Durante o período que se iniciou em 1501 com a exploração da cana-de-açucar, o tráfico negreiro era sobremaneira praticado, as hostilidades contra os negros eram cada vez maiores e várias revoltas ocorreram; entretanto, devido ao caráter localizado das mesmas, ao excesso de espontaneidade e à falta de organização, o colonizador sempre conseguiu conter os revoltosos. Em decorrência das grandes e violentas repressões, assim como pelo desejo de fugir da colonização e viver a própria cultura, os escravos sempre escapavam para o interior, para as florestas, onde se juntavam a outros escravos fugidos e revoltados. Muitas vezes continuavam atacando as grandes fazendas, provocando incêndios e mortes que abalavam a estrutura dos colonizadores.



Foto atual do Centro da Capital, São Tomé
Uma das mais conhecidas oposições, a mais forte delas, foi realizada por Amador, o qual se autoproclamou rei de São Tomé em julho de 1595, e seu grupo. Amador - que foi escravo de um capitão-do-mato, e em decorrência disso conseguiu aprender alguma estratégia de guerra, organizou de forma militar um enorme contingente de escravos e combateu os colonos, conseguindo libertar a maior parte do território e, inclusive, a administração colonial localizada na capital. Devido ao menor poderio bélico e à traição de alguns membros do exército, Amador foi capturado e assassinado em janeiro de 1596.


Entretanto, a derrota do rei Amador não caracterizaria o fim das resistências, as quais teriam continuidade por todos os séculos seguintes. Vale ressaltar que o incidente do rei Amador também foi utilizado na posterior construção de uma pretensa nacionalidade.


No período que vai do fim do séc. XVI ao final do séc. XVIII a economia agrícola mostra-se estagnada, porém, com a introdução das culturas de cacau e café, que prosseguem até a independência, a agricultura recebe nova injeção de vigor. Mais mão-de-obra é requerida, porém, a escravidão já não se constitui como método válido e vantajoso para os colonos. Ocorre a abolição, imediatamente seguida pela introdução do contrato do trabalho, o qual trouxe a São Tomé enormes quantidades de negros angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos.

Empregados cabo-verdeanos da Roça Boa Entrada
(foto do começo do Séc. XX)


Não obstante, os contratados continuam desgostosos com as condições de trabalho, as quais, a bem da verdade, continuavam péssimas e só objetivavam os lucros dos colonizadores, desconsiderando os mínimos direitos dos povos submetidos. Vários movimentos contestatórios ocorrem, entre eles o de 1953, que ficou posteriormente conhecido como Massacre de Batefá. Tal acontecimento, que foi um movimento de total resistência aos trabalhos nas roças, recebeu esse nome pois aproximadamente mil revoltosos foram mortos pelos colonizadores. Aparentemente, esse acontecimento separa a revolta são-tomense em dois grandes momentos, a saber: o anterior a ela, quando as revoltas eram mais espontâneas e desorganizadas; e o posterior a ela, onde a resistência começa a ficar mais organizada e, vista a falta de uma sociedade revolucionária, toma as características de resistência cultural.



Igreja de Santana
Uma das características da colonização é tentar dar um fim à cultura do colonizado, substituindo-a pela cultura do colonizador. Em São Tomé, esse também foi um ponto. As danças e músicas tradicionais eram proibidas, não obstante, com a ajuda delas, especialmente do Congo – dança de querra que poderia incitar o povo à revolta – e do Lundum – canções metafóricas que muitas vezes escarneciam os colonizadores e o sistema colonial – começou a se forjar a idéia de nacionalidade e de unidade.

Como dito anteriormente, na falta de uma sociedade revolucionária ou de um projeto político para a independência, o projeto independentista foi baseado na oposição racial, sendo considerada (criada) uma unidade a partir de tudo aquilo que não era branco. Entretanto, tal projeto racista encobriu uma série de diferenças sociais que existiam em São Tomé, deixando de fora todo um pluralismo social. Forjou-se um sentimento identitário, de pertença a algo, encobrindo uma série de diferenças sociais em nome de uma semelhança. Em 12 de julho de 1975, quando São Tomé e Príncipe tornou-se independente de Portugal, podia-se falar em Estado São-tomense, entretanto, a nação são-tomense continuava inexistindo.


Após a anterior exposição dos fatos e de aspectos da questão colonial, passamos agora à análise que buscará mostrar que, mesmo em face de um passado colonial comum, não foi possível o surgimento de um sentimento nacional são-tomense responsável pela independência. Apesar de uma certa identidade, principalmente racial, não se pode falar em nacionalidade.


Parafraseando o que afirma Augusto Nascimento em seu texto Identidades e Saberes na Encruzilhada do Nacionalismo São-Tomense (op. cit.), recusa-se ver, nas circunstâncias que cercam as revoltas do período colonial, em qualquer reação contra as autoridades coloniais, um indício qualquer de nacionalismo, antes, eram um sinal de revolta grupal contra um inimigo comum, não a batalha de uma identidade comum contra um inimigo comum. Ou seja, as revoltas do período colonial, até mesmo o levante do rei Amador, não são revoltas que trazem algum cunho nacionalista, são revoltas contra a ordem imposta. Antes de ser de cunho nacionalista, a independência foi marcada pela conjuntura e pelo arrastamento da questão colonial portuguesa. Em 1974, já bem perto do 12 de julho, apenas uma pequena minoria tinha a independência como projeto político, mas rapidamente conseguiu apoio popular. Como dito anteriormente, esse projeto, que criava a identidade são-tomense levando em conta a oposição com a raça branca, acabava por encobrir uma diferença social entre os filhos da terra e os de outra origem. Além disso, após a independência, em vez da repartição das terras, a estrutura das roças foi mantida, traçando desse modo a estrutura da distribuição do poder no período pós-independência.



Entrada da Roça Sundy, em Príncipe
O fato de os roceiros utilizarem mão-de-obra angolana, cabo-verdiana e moçambicana nas roças são-tomenses também é um empecilho para a formação de um ideário nacional antes da independência. Por meio dessa contratação, os roceiros tentavam prevenir as contestações e as mudanças sociais nas roças, evitando a criação de uma identidade comum; os trabalhadores também tinham as suas localizações modificadas constantemente.


Sem dúvida, o arquipélago de São Tomé e Príncipe assemelha-se mais a uma sociedade colonial, ou seja, uma sociedade que se arregimenta ao redor dos valores e do poderio da metrópole, no caso Portugal. Se a semelhança fosse com uma sociedade crioula, onde ocorre maior interação-integração entre os diversos grupos, raciais e de outros matizes, ao redor de valores locais, provavelmente haveria maior crescimento relativo à idéia e sentimento de nação.

Por fim, outro aspecto que merece ser levantado é o que chamaremos aqui de “mestiçagem”, o qual foi muito bem trabalhado por Roland Corbisier em seu prefácio ao livro Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador (op. cit.), de Albert Memi. De acordo com Corbisier, o colonizado, só existe em função do colonizador, fazendo sua imagem a oposta da dele. Entretanto, tanto colonizador como colonizado são influenciados um pelo outro, num processo constante de mestiçagem cultural. Ao negar totalmente a raça branca, forjando sua identidade num projeto racista de oposição e total rejeição ao branco, o povo são-tomense perde a oportunidade de se compreender melhor em comparação ao outro, além de, conforme dito anteriormente, encobrir uma série de diferenças sociais. Deixa de compreender seu caráter mestiço, o qual, infelizmente, ocorreu por imposição. Daí claramente se justifica o projeto de oposição racial, pois após anos de exploração, passa-se a se odiar aquele que explorou.

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Bibliografia:

1) AGUIAR, Armindo: “Os Fundamentos Históricos da Nação São-tomense” in V/A: A Construção da Nação em África – Os Exemplos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. Colóquio INEP / CODESRIA / UNITAR.

2) MEMI, Albert: Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, 3 ed.

3) NASCIMENTO, Augusto: “Identidades e Saberes na Encruzilhada do Nacionalismo São-Tomense” in Revista Política Internacional: nº 24, outono / inverno de 2001.

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