sexta-feira, 30 de abril de 2010

ABC a «arma de cooperação maciça» brasileira em África

Brasília - Com uma sigla que sugere o nome de um manual, a Agência Brasileira de Cooperação, ABC, tornou-se em tempo recorde no centro nevrálgico da vontade política do Palácio do Planalto e da estratégia do Itamaraty no continente africano.
Não será por acaso que a ABC ainda está instalada no complexo do Palácio do Itamaraty, nome pelo qual é mais conhecido o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, MRE. Em face ao ministério erguem-se as torres do Congresso Federal e Senado que concluem a majestosa avenida «dos Ministérios» idealizada por Óscar Niemeyer. Lateralmente, surge o novo Palácio do Planalto que alberga a presidência.

Os principais alicerces do poder político brasileiro estão assim concentrados num eixo onde discretamente emerge o «peso pesado» da cooperação brasileira, ABC, e a ponta de lança do Itamaraty em África segurada pelo Planalto.

Quando se fala de África em Brasília os responsáveis de qualquer Ministério respondem mecanicamente, e textualmente, que «o Presidente Lula definiu que a cooperação com África é prioritária para o Brasil, trata-se de um relacionamento estratégico». No entanto Marco Farani, o energético Director da ABC, realça o «calcanhar de Aquiles» da cooperação: «a Lei brasileira ainda limita muito a acção de cooperação que o Brasil pretende fornecer». Para contornar esta lacuna a cooperação brasileira é designada apenas como «cooperação técnica».

Juridicamente, o Brasil, país emergente, continua a ser encarado internamente como do Terceiro Mundo, não podendo assim fornecer cooperação, mas apenas receber. Um paradoxo legislativo que não se coaduna com o posicionamento do Brasil nas esferas do poder planetário e na dinâmica brasileira em África, bloqueando burocraticamente o salto quantitativo e qualitativo da acção idealizada no Planalto.

«É apenas uma questão de tempo para ultrapassarmos esse problema», diz Marco Farani esboçando um sorriso premonitório, «um projecto lei já está esboçado e poderá ser apresentado até ao final de 2010. Não podemos estar bloqueados por uma Lei que já não se ajusta à realidade actual.»

Os limites legislativos acabaram assim por ser um pormenor habilmente contornado pela designação de «cooperação técnica» e através parcerias com instituições e organismos externos. Mas, também aliado ao imbróglio legislativo estão as limitações orçamentais da Agência.

A ABC «gere apenas um orçamento de 70 milhões de Reais (cerca de 30 milhões de euros). Comparativamente a outros países, com fortes tradições na cooperação em África, que dispõem de orçamentos dez vezes superiores ao nosso, conseguimos fazer dez vezes mais que eles. Isto é uma realidade bem visível» sublinha Marco Farani, «fizemos uma remodelação total nos mecanismos clássicos da cooperação, implicamos todos os ministérios e desenvolvemos articulações entre as instituições e organizações. Ou seja, criamos um novo conceito de cooperação adaptado à especificidade brasileira evitando os erros dos outros.»

Desde 2003, a ABC já desenvolveu mais de 150 programas e projectos de cooperação técnica. Em 2008 cerca de 115 acções de cooperação, entre projectos e actividades isoladas, foram executadas apenas no continente africano onde se destacaram os países da lusofonia que absorveram cerca de 74 por cento do volume dos recursos da ABC. «A lusofonia será sempre uma prioridade óbvia brasileira, mas vamos alargar o nosso leque de acção e diversificar os beneficiários», avança Farani.

Acções no Senegal, Nigéria, Namíbia, Quénia, Burquina Faso, Botsuana, Chade, Mali, Marrocos e Zâmbia, assim como vários outros países, já estão em curso ou em fase de negociação. «O alargamento da cooperação brasileira depende dos países que a requerem» realça o Ministro, «no entanto, privilegiámos uma cooperação durável e não efémera e que se auto financie a médio prazo». O sucesso do projecto no Gana, onde a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) já abriu um escritório, já é uma referência com o programa de desenvolvimento de culturas para biocombustíveis, abrindo uma nova fase nas energias alternativas em África.

Neste quadro, e respondendo às solicitações dos Estados africanos, a aposta no desenvolvimento agrário tornou-se a área de excelência de acção que, além dos países citados, também já abrange todos os PALOP, Camarões, Tunísia, Argélia e Tanzânia.

Em parceria com o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), a ABC desenvolve a instalação de Centros de Formação Profissional, mas também está presente com programas nos sectores diversos como o ensino, governação, saúde, Direitos Humanos.

De uma forma autónoma, relativamente à ABC, estão dois ministérios vitais que actuam igualmente de forma determinante na cooperação brasileira em África, o Ministério da Defesa e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Em breve a ABC vai abandonar o «Anexo I» do Itamaraty e ocupar novas instalações, maiores e mais adaptadas à sua missão, onde vão trabalhar os 120 funcionários da Agência, especializados exclusivamente em «cooperação», e até ao fim do ano devem ser reforçados com mais 50 novos elementos, confirmou Farani.

Mesmo assente num vazio legal interno, a cooperação brasileira transformou-se em poucos anos num eficaz instrumento diplomático na reconstrução da nova imagem e mutação do «jeitinho brasileiro» em potente «arma de cooperação maciça» habilmente coordenada com os objectivos estratégicos políticos e económicos internacionais do Itamaraty e do Planalto.

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